23. Auschwitz II - Birkenau

Não dormi mal, o Miguel parece que também não e nem o Rui se queixou do seu cochicho improvisado. Recorde-se que ele tinha improvisado uma cama a partir de umas almofadas para resolver o problema de duas camas para três homens.

O quartinho - Namestovo, Eslováquia

Estava um dia radioso lá fora, com um ventinho fresco agradável. Descemos até ao salão para o pequeno-almoço, estava a matriarca a gerir a sala. Pequeno-almoço banal tipo buffet com tostas, queijo, carnes frias e uns bolos. Do interior via-se um campo de ténis mesmo em frente à casa.



Fiquei com a impressão que esta região estava mais focada para o turismo interno. Pagámos a estadia e fomos lá acima buscar as bagagens. Ainda antes de arrancar descemos até à beira do lago.

Até ao lago - Namestovo, Eslováquia

Havia ali um pequeno ancoradouro de serventia à casa. Era cedinho e já se viam um ou dois pescadores de cana armada. Muito simpático este local... Mas há que rumar a Norte.



De maneira que regressámos à estrada, continuando em direcção à Polónia. Passámos mais uma vez a ponte sobre o lago e do outro lado circundámos Namestovo para seguir em direcção à fronteira. Tirando aquele bocadinho giro à beira de água, parecia em tudo uma cidade industrial.

Mais campo, mais umas aldeias e ao cabo de uns quilómetros começámos a subir em direcção a uma floresta densa. Não que o cenário não estivesse agradável, mas estava a ficar ainda melhor! A estrada um pouco mais sinuosa também, estávamos a chegar à fronteira… A ver se nesta dava para tirar uma foto. Não demorou muito a chegarmos ao cimo e lá estava ela à nossa espera. Desta vez a foto não escapou! Tirámos umas belas chapas no local que marca o fim da Eslováquia e o começo da Polónia. Curiosamente, também aqui, zero controlo policial.



Na fronteira - Eslováquia/Polónia

Começava o tempo a aquecer e aproveitámos também para aliviar algum agasalho. Daqui em diante e até chegarmos a Auschwitz, sinceramente não me recordo de grandes paisagens. Ou que pelo menos que me tenham ficado na memória. Recordo-me de passar por várias aldeias, algumas mais rurais que outras. Mesmo as paisagens campestres são banais, nada que encha a vista.

Tivemos dois imprevistos no caminho: o primeiro fruto da lerdeza do GPS que teimava nos enviar por um matagal. Deixámo-lo a falar sozinho e seguimos em frente, mas foram preciso uns quantos quilómetros para o dito largar a teima; o segundo imprevisto, já próximo de Auschwitz, numa espécie de nacional estava tudo parado na sequência de um acidente. Aqui o GPS redimiu-se, e encontrou-nos um caminho por fora.

O tempo durante a manhã tinha estado muito quente. À medida que nos íamos aproximando do destino também por cima das nossas cabeças se estavam a juntar umas nuvens negras. Quando lá chegámos veio a chuva.

A entrada na cidade fez-se com o bocado de trânsito. Auschwitz será hoje em dia uma cidade normal como outra qualquer do país.

Tínhamos divido a nossa visita em duas partes, como tem que ser. E para isso é conveniente situar histórica e geograficamente o complexo de Auschwitz.

Quando se fala no Campo de Concentração Auschwitz-Birkenau (ou simplesmente Auschwitz), na verdade está-se a designar não um mas três campos de concentração em volta da cidade polaca de Oświęcim (pronunciado auch-vien-chim) ou em alemão Auschwitz. O complexo era constituído pelo campo Auschwitz I (o campo original), Auschwitz II – Birkenau (campo de extermínio), Auschwitz III – Monowitz (campo de trabalho) e 45 sub-campos satélites nos arredores. O primeiro campo está localizado na cidade de Auschwitz e o segundo foi edificado em cima da vila de Birkenau (a 2 quilómetros do primeiro). No terceiro, construído na vila de Monowitz (a 5 quilómetros do primeiro) operava uma fábrica de químicos onde os presos eram obrigados a trabalhar. Actualmente apenas o primeiro e segundo (os mais importantes) permanecem.

Ambos são visitáveis sem qualquer custo. No entanto apenas no segundo a entrada é livre a qualquer hora do dia. Os campos por esta altura estão abertos desde as 8h00 às 19h00, no entanto o acesso ao primeiro é restrito entre as 10h00 e 15h00 para visitas em grupo com guia (essas sim, pagas).

Assim optámos por fazer a visita por nossa conta, começando primeiro por Birkenau e depois Auschwitz com almoço pelo meio.

Mapa do complexo Auschwitz II / Birkenau - Birkenau, Polónia

Já caía água moderadamente quando fomos espreitar o Campo II.

O estacionamento não é permitido na estrada que passa à frente do campo, como nos informou uma espécie de vigilante que ali estava. Isto porque existe um espaço próprio pago a 100 metros dali. Sinceramente, não me choca. Até porque o acesso ao campo é gratuito e estas coisas têm que ser financiadas. Nada melhor do que fazê-lo fornecendo um serviço de estacionamento em parque fechado… Mas já tínhamos decidido fugir à chuva indo almoçar antes da visita, que andar por ali molhado também não é a melhor coisa. Parámos as motas junto à entrada do campo e o fulano continuava a gesticular que tínhamos de estacionar lá atrás. Eu fiz-lhe sinal que estava bem, mas que queríamos uma foto. E pedi-lhe se a podia tirar. Sem problemas e com um sorriso acedeu, passei-lhe a máquina para a mão e ora aqui está ela!

À beira de Auschwitz II - Birkenau, Polónia

Agradeci e fomos à nossa vida. Voltámos para o centro e parámos num pequeno centro comercial que ali havia. Ainda era um pouco cedo para o almoço, nada melhor que despachá-lo num restaurante fast-food qualquer. As motas ficavam estacionadas no parque subterrâneo o que também vinha a calhar pois livravam-se de ficar à chuva... Já no centro comercial, a variedade não era muita e optámos pelo “Kentucko”… Frangas polacas para todos se faz favor… Fazer o pedido foi pacífico, a miúda ao balcão desenrascava-se bem no inglês.

E melhor não poderia ser! O tempo de almoçarmos foi o suficiente para o céu desanuviar… A chuva ainda tinha sido alguma pois quando voltámos à estrada o piso estava bem molhado. Voltámos ao Campo II, e seguimos para o estacionamento. Aí foi-nos dito que bastaria um bilhete para as três motas, o que implicava também fazer uma entrada sincronizada no pórtico… Pouco depois vimos um grupo de umas dez motas (italianos ou romenos, já não me recordo) a entrar pelo passeio borrifando-se totalmente para pagamentos e barreiras.

Francamente não estou a ver que alguns cêntimos a cada um fizesse assim tanta diferença! É uma questão de civismo e quanto a isso não há meio-termo, ou se tem ou não se tem.

Deixámos os capacetes e blusões no edifício de apoio ao parque, que também serve de loja de lembranças, e seguimos para a entrada do Campo.

De fora a primeira impressão marcante que fica é a do edifício que servia de portaria e torre de vigia.

Entrada e torre de vigia - Birkenau, Polónia

Entrámos pela lateral onde estava um agente identificado como “Polícia do Museu”… Passada a vedação de arame farpado, avista-se logo uma área vasta e ampla.



À primeira vista é difícil perceber a real dimensão do campo, pois a grande maioria das construções estão destruídas. Todo o interior está meticulosamente divido e arrumado em secções, cada uma com a sua função. Aqui se vê de forma óbvia o metodismo característico dos alemães. Este lugar tinha um propósito, eliminar pessoas de forma expedita. E o número estimado de dois milhões de execuções indicia que o faziam muito eficientemente... 



As construções todas edificadas com tijolo burro eram feias, mas seguramente resistentes, práticas e económicas. A maioria dos barracões (e eram muitos) estava em ruínas e pouco mais se via do que uma espécie de chaminé que ainda permanecia. Um ou outro barracão mantinham-se de pé com algum custo, suportados por traves de madeira. Todos eles se encontravam fechados e nada se conseguia ver através das janelas escuras.



Fomos andando Campo adentro, passando pelas várias áreas delimitadas a arame farpado. Havia também algumas torres baixas de madeira, que se supõe (se forem de época) servissem à vigilância dos guardas. 



À excepção dos caminhos de acesso, todo o Campo estava coberto por um extenso manto verde de relva de boa altura. É curioso, achei que este apontamento de vida, conjugado com a belíssima textura de nuvens que estava presente no céu conferia ao espaço alguma “beleza”. Beleza não é provavelmente o termo certo, pois verdadeiramente aqui nada há de belo. No entanto todo este conjunto de cores naturais que teimava enquadrar o tom sombrio e sujo do campo, fazia desconfiar que a natureza estaria a reclamar para si o lugar aos poucos, ficando um sentimento ingénuo de que o planeta estaria provavelmente empenhado em apagar aquela triste memória.

Depois de passar a extensa área de barracões chega-se ao fundo do Campo e chega-se ao pior, os fornos crematórios. É preciso não esquecer o que aqui se fazia, relembro, extermínio em série… E para que a ideia dessa infeliz realidade passe de forma clara e explicita vou de seguida entrar em detalhes e pormenores.

Na Primavera de 1944, Auschwitz II - Birkenau atingiu o pico do seu propósito, conseguindo alcançar cerca de 4500 execuções por dia. Esta ordem de valores obrigava a uma eficiente e meticulosa operacionalização deste macabro processo. Tal era conseguido através de uns edifícios preparados para esse fim denominados por Crematórios. Quatro unidades deste tipo foram construídas neste Campo. Segundo as autoridades germânicas dois dos crematórios (Kremas II e III) tinham a capacidade de queimar 1440 corpos ao dia cada um, e os outros dois (Kremas IV e V), 768 cada um. No entanto os testemunhos de alguns prisioneiros indicam que as capacidades eram superiores. Estes números assustadores são bem representativos do inferno que aqui se vivia.

Planta do Crematório III - Birkenau, Polónia

Embora o propósito inicial da unidade II fosse a de servir de morgue, estes edifícios não eram apenas fornalhas que consumiam corpos, na verdade eram unidades completas de processamento para assassínio em massa. Os prisioneiros entravam nos Crematórios para uma câmara no subsolo suficientemente ampla. Aí era-lhes pedido que se despissem, sob a suposta necessidade de tomarem banho. Era-lhes dada ordem para que deixassem os seus pertences bem arrumados para que logo depois do banho os pudessem reaver. Despidos de roupa e dignidade, transitavam para outra câmara onde no tecto estavam instalados chuveiros. Mas o que se seguia não era um banho. Esta câmara disfarçada de balneário era na verdade a câmara de gás onde depois de fechados era libertado o gás letal. A substância utilizada era o cianeto de hidrogénio obtido a partir de um pesticida conhecido por Zylkon B (ou Ciclone B). Até à data este pesticida era utilizado na fumigação e limpeza de bens e áreas. Após algumas experiências os oficiais das SS descobriram que em contacto com água e calor este pesticida libertava cianeto de hidrogénio, um gás venoso que interfere na respiração celular. A morte num ser humano de 68 quilograma ocorre ao cabo de 2 minutos com a inalação de 70 miligrama deste gás. Após o extermínio a câmara de gás era arejada, seguindo-se o processamento dos cadáveres. Ainda antes dos corpos serem deitados às fornalhas, como lixo, para serem incinerados, retirava-se o ouro nos dentes. O cabelo já lhes tinha sido rapado à chegada ao campo para ser despachado para a indústria têxtil germânica. Finalmente, as cinzas recolhidas das fornalhas eram despejadas logo ali, no exterior do crematório.

Crematório III - Birkenau, Polónia

Com a chegada do fim da Guerra, no final de 1944 foi ordenado o desmantelamento dos crematórios e em Janeiro de 1945 as SS rebentam com o que ainda restava. Após o fim da Guerra em 1945 os produtores do Zylkon B foram submetidos a julgamento e executados por fornecerem em consciência o pesticida para extermínio de seres humanos. Só para Auschwitz estima-se que tenham sido entregues 26,8 toneladas de Zylkon B entre 1942 e 1944.

Ruínas do Crematório II (frente) - Burkenau, Polónia

Ruínas do Crematório II (câmara de entrada (C)) - Birkenau, Polónia

Local onde eram despejadas as cinzas (J) - Birkenau, Polónia

O que se pode ver hoje em dia deverá ser muito parecido com o que ficou no dia em que os nazis abandonaram o campo. Aliás esta é impressão geral com que fiquei de todo o lugar. Tudo está minimamente preservado, parece existir a preocupação lógica de não adulterar a memória e de mostrar as coisas ao mundo tal como aconteceram. Tudo o que foi reconstruído está assinalado e identificado e é de facto muito pouco. Dos Crematórios pouco mais resta do que um amontoado de destroços, sujo e podre. Mesmo assim e recorrendo à explicação dos placares informativos conseguimos entender o que está à nossa frente. As fornalhas foram removidas mas é ainda perceptível a entrada pela qual os prisioneiros seguiam para a câmara de entrada no subsolo e onde se despiam e deixavam as suas roupas antes de enfrentar a morte. À frente das ruínas está uma placa que nos recorda que por ali foram lançadas as cinzas de milhares de pessoas.

Entres os Crematórios está instalado o monumento ao Holocausto. Uma escultura suja, amontoada, com ar caótico.

Monumento ao Holocausto - Birkenau, Polónia

O aspecto é estranho mas creio que em termos de mensagem não poderia estar mais adequado.



Os prisioneiros eram trazidos por linha férrea, amontoados em vagões diminutos.



Esta linha que passa pelo edifício da portaria segue campo dentro até ao fundo, onde estão os Crematórios. Esta é provavelmente a imagem mais conhecida deste campo. Existem milhares de fotos daqui.





Dentro de Auschwitz existe um cais do lado direito que acompanha a linha. Era nesse local que eram descarregadas as pessoas dos vagões. Mais ou menos a meio é possível ver uma foto de época e respectiva informação.



Logo aqui à chegada, precisamente neste lugar era feita a triagem. Os guardas das SS separavam a dedo os mais fracos, sendo o destino destes a execução imediata. Dali, outros seguiam a pé até aos Crematórios, onde os aguardava o processo de extermínio descrito acima. Tudo decidido ali, fria e metodicamente sem qualquer respeito pela vida... Conseguir enquadrar o lugar onde me encontrava com aquela foto onde se via centenas de pessoas a serem seleccionadas para a morte deu-me, não um clique, mas sim uma pancada no cérebro. Durante alguns minutos comecei a imaginar os infelizes a caminhar penosamente por aquele cais sem desconfiar o que os esperava. E com isto, tenho de confessar, fui-me abaixo... Por muito que um tipo se distancie ou ande por aqui com o espírito de turista é difícil encaixar todo este nível de eficiente perversidade, crueldade, frieza e sadismo. A guerra é dura, combate-se, morre-se, há destruição e vítimas de parte-a-parte... Mas nada disto tem a ver com guerra… Isto é apenas ódio, escuridão. Um ódio doentio dirigido e premeditado. O Mal na sua forma mais pura e abjecta. Aqui se testemunha o que pode suceder quando o extremismo alcança o poder… Todos têm que forçosamente aprender com esta vergonha para a espécie humana, que pensando bem, não está assim tão longe… 70 anos separam-nos do fim da Grande Guerra, aproximadamente uma geração…



Confesso que por esta altura, já sentia um sério desconforto... Mas a visita ainda não estava concluída. Tínhamos ainda o museu no campo original para ver, a cerca de 2 quilómetros daqui. Regressámos ao parque e passámos pela loja onde tinham ficado os capacetes e blusões. A saída do estacionamento foi feita como a entrada, com um só bilhete na mão e as três motas a passar alinhadas sob a cancela.

22. 1 lago, 2 camas e 3 gajos

E estava quase o Baixo Tatra todo feito quando desviámos para Vlkolínec, a aldeia museu. Metemos-nos por uma estrada estreita muito engraçada que parecia enfiar-se num pequeno vale. À nossa volta uma paisagem natural extrema, onde tudo parecia intocado.



Depois a estrada começou a subir um pouco encosta acima e chegámos ao parque de estacionamento.



Vlkolínec é uma das dez aldeias típicas eslovacas que recebeu o estatuto de reserva protegida de arquitectura popular. Foi-lhes atribuído pela arquitectura tradicional complexa e intocada que exibem no seu conjunto habitacional. Esta aldeia está também listada como património mundial da UNESCO desde 1993. A aldeia encontra-se praticamente intacta e é na região o grupo mais completo de casas de madeira (mais de 45) deste tipo que se costuma encontrar nas áreas montanhosas. Deixámos as motas no estacionamento e subimos a colina por onde a aldeia se encontra repartida.



Logo na entrada há uma espécie de escultura que se assemelha a um totem. Quisemos aí tirar um auto-retrato. Meti a máquina no tripé e sugeri uma “palhaçada” qualquer que resultou na foto abaixo. E daí em diante fomos registando outras do género sempre que podíamos.

Um totem e três aves raras (Miguel, Daniel e Rui) - Vlkolínec, Eslováquia

E porquê um pé-coxinho de braços abertos?!... Não faço ideia… Provavelmente, fazer o pino custava mais! Chamemos-lhe doravante a posição da “ave rara”.

Vlkolínec tem uma rua mais ou menos a direito que sobe até ao topo da colina. É à volta dessa rua que estão dispostas as casas.



As casas estão habitadas, há gente que mora aqui. Ou pelo menos que passa aqui as suas férias. A construção das casitas é engraçada, são todas feitas em madeira estando alguma depois pintadas em cores garridas.







Subimos até ao cimo onde corre um ribeiro numa espécie de pequeno moinho de brincar, e voltámos para baixo.




O local paisagisticamente falando é glorioso. Daqui tem-se uma vista desafogada para o vale. Um cenário magnífico.



Aqui é que é bom! (Daniel e Rui) - Vlkolínec, Eslováquia

Regressámos às motos e descemos pela estrada por onde tínhamos vindo.

Parámos mais ou menos a meio para tirar mais uns retratos. À ida para cima este canto tinha ficado debaixo de olho, a estrada fazia ali uns “esses” muito fotogénicos.



Também tirámos um auto-retrato de retaguarda no chão, mas não fiquei convencido. A pose da ave rara tem muito mais glamour.

Mais um bocado de serra e saíamos do Tatra. Passámos por uma ou duas cidades de aspecto industrial e voltámos a enfiar-nos no campo. Muito verde também por aqui e algumas aldeias do mesmo género que já tínhamos visto de manhã. Recordo que atravessámos uma que parecia não ter fim. Uma longa estrada a direito (mas mesmo muito longa!) ladeada por casas em ambos os lados de todas as cores... Sem exageros uns 3 ou 4 quilómetros disto!

O tempo estava mais fresco a Norte e o dia também já ia perto do fim. A estadia estava planeada para as imediações de Namestovo num casarão grande de férias mesmo à beira lago. Dado que já estava na hora, decidimos passar primeiro por Namestovo para jantar. Namestovo é uma cidade pequenina plantada à beira de um lago com o mesmo nome. E é em redor do lago que parece estar todo o potencial turístico do local. A cidade está a Norte do lago, o que nos obrigou a atravessar o lago por uma longa ponte. Depois logo à saída da ponte estão as atracções principais que se resumem a dois ou três restaurantes de uns pequenos hotéis virados para o lago. Havia ali também um bar para motards mas achámos que seria ainda um pouco cedo para lá entrar.

À beira lago (Daniel, Miguel e Rui) - Namestovo, Eslováquia

Assim entrámos num dos hotéis cujo restaurante estava aberto. E digamos que o restaurante estava todo “armado aos cucos”. Tudo num tom imaculado e predominantemente branco, com uns centros de mesa que pareciam monumentos. O empregado também com uma postura alinhada ao cenário, e nós um bocado cansados, com boa barba e com o equipamento de mota já sujo destes dias de viagem. Uns porcalhões, vá… Bem, venha mas é o que interessa, não estamos cá para mandar estilo! A ementa era variada e sem pizzas ou massas, ufa!!! Em temos de sabores achei que era mais ou menos o mesmo que na Hungria: carnucha de porco ou de aves, panada ou não, acompanhada com a esmagada de batata… Mas aqui tudo em versão pipi, ou seja com uma apresentação cuidada. Estava bom, mas convenhamos, nada de excepcional. O certo é que ficámos bem e foi bem agradável jantar com vista para o lago.



Mais 4 ou 5 quilómetros até ao outro lado do lago e estávamos no hotel que nos iria receber esta noite. Tratava-se de um casarão grande de três andares, mesmo junto à margem do lago e rodeado de pinheiros altos. Muito castiço!

O local pareceu-nos muito sossegado mas, mesmo assim, deixámos as motas amarradas no estacionamento. Na recepção, no hall de entrada da casa não havia ninguém, aliás estava um tipo com pinta de chinês que nos apontou uma porta. Por esta acedia-se a um salão grande que servia de sala de refeições. Ao balcão estava um senhor com uma vasta barba branca. Tentámos falar com ele em inglês, mas zero… Mais uma tentativa e ele saiu porta fora… Foi buscar reforços. Com ele veio uma raparigona sorridente com uns 18 ou 20 anos, com a qual tentámos também falar. Arranhava alguma coisa de inglês, mas poucochinho. O suficiente para perceber que tínhamos ali feito uma reserva do Booking e logo nos indicou o caminho até ao último piso. Quando digo raparigona, refiro-me à altura, pois todas as outras medidas estavam na proporção certa! Uma miúda bonita de cabelos longos negros e pele muito branca, que por acaso não se encaixava muito no género de miúdas que por aqui tínhamos visto. Rapariga encantadora e parecia estar meio-envergonhada, talvez por não conseguir articular bem o inglês ou pela nossa aparência “exótica” por estas paragens. Quando tentou abrir a porta do quarto, a porta não abria… Fez ali um jeito duas ou três vezes e nada… Estava a ficar vermelha. Finalmente à quarta a porta lá abriu. Entrámos nos nossos aposentos e ela desapareceu escada abaixo.

O quarto ficava no piso de cima, encostado a um dos lados da casa. Uma espécie de águas furtadas. Tinha um hall pequeno que dava para três divisões, uma casa-de-banho completa, e dois quartos. No entanto uma das portas dos quartos estava fechada à chave. E no quarto acessível, surpresa das surpresas, apenas duas camas (uma delas de casal) para três marmanjos!

Ora… então temos aqui um problema. E agora explicar a esta boa gente que só fala bem eslovaco que aqui não temos casais… Vamos lá ao balcão lá abaixo. Estava lá a grandona que rapidamente percebeu as nossas queixas e foi chamar outra pessoa à cozinha… Ora se o barbudo é o pai, tu deves ser a filha, e esta só pode ser a mãe, ou pelo menos a mulher do barbas. A matriarca também não se desenrascava bem com o inglês, mas era mais viva e claramente dava as ordens ali… e chapéu! Disse-nos que a casa estava cheia e que ao preço que tínhamos reservado só mesmo assim. Mais camas só mudando para quarto maior, e logo mais caro também… Tá… Então olha, obrigado, fica mesmo assim a gente desenrasca-se…

Voltámos lá para cima, o Rui sacou de uma almofadas rectangulares que estavam por debaixo de uma das camas e fez outra encostada à parede e ali se deitou.

A caminha improvisada do Barradas (Rui e Miguel) - Namestovo, Eslováquia

Miguel ficou na cama mais pequena e eu na maior!



Ainda antes de deitar tomámos um banho. Pormenor curioso: as casas de banho eslovacas são amplas, assim como as banheiras que têm um formato triangular. Antes de deitar ligámos a TV para ouvir um bocado a língua deles. No zapping eis que dou com a emissão de uma novela brasileira. Segundo pormenor curioso, aqui as novelas são emitidas com o som original e um único tipo por cima a fazer a tradução, sempre no mesmo tom, sempre na mesma voz, de todos os personagens…

Novelas brasileiras na Eslováquia - Namestovo, Eslováquia

Então vá, boa noite, amanhã há mais!

21. Do Danúbio a Bystrica

Acordámos a hora boa para arrumar a tralha. O Miguel já devia estar a pé há mais de uma hora, andava a bater mal com os horários. Toca de enfiar tudo nas malas para levá-las amontoadas lá para baixo naquele elevador diminuto até à garagem. Seguimos a instruções. Fechámos a porta do apartamento (verificando bem previamente, se não tinha ficado nada nosso lá dentro), metemos a chave na caixa de segredo, fechámos aquilo e baralhámos a combinação. Na garagem pagámos o estacionamento ao tipo que lá estava. O homem não falava inglês, mas era simpático e o preço já estava combinado, não houve qualquer dificuldade.

Próximo destino Eslováquia. Um bom bocado de curiosidade no que iríamos encontrar pela frente. Tínhamos todos a ideia que as coisas por lá estariam um bocado mais “atrasadas” e que os sinais da Era soviética seriam por demais evidentes.

O dia estava bom, nada daquelas chuvadas do dia anterior. Fresco ainda, mas o Sol já raiava. Demos umas voltas por aquelas ruas de prédios altos até chegar à beira rio, daí para o outro lado pela ponte das correntes. Havia uma paragem planeada para tirar uma última foto ao Parlamento, mas não se conseguiu arranjar lugar para as motas e seguimos para Norte para a saída da capital. A ideia era tentar seguir o Danúbio até à fronteira da Eslováquia. Mas nem sempre se vai junto a este e a saída de Budapeste é feita por uma via-rápida.

Ainda não tínhamos comido nada e não estava fácil encontrar lugar para tomar um pequeno-almoço. O Miguel já devia estar a bater mal, o homem não se aguenta muito tempo de manhã sem açúcar e café! Consegui enxergar o que me pareceu um supermercado e saímos para lá ir espreitar. Era mesmo um supermercado pequeno. Mas melhor, ao lado deste existia uma espécie de padaria e pastelaria que também servia café. A rapariga que lá estava era bem simpática e embora não falasse quase nada de inglês esforçou-se no serviço e acabámos por tomar um pequeno-almoço bem satisfatório e a bom preço numa pequena esplanada improvisada em frente à padaria.

Voltámos à via-rápida que foi estreitando e transformando-se em estrada secundária. Próximo de Budapeste notava-se algum trânsito, mas nada de especial. Depois começou a surgir vegetação densa à nossa volta e umas quantas vivendas que não mostrando grandes luxos estavam bem acabadas. Passámos por uma série de pequenas localidades e já mais adiante começámos a avistar água do nosso lado direito através das árvores. Estávamos, como previsto, a rolar junto ao rio numa estrada bem agradável pelo meio do arvoredo.

Fizemos uma paragem rápida junto a umas casas, o Miguel queria tirar umas fotos ao rio.

Margem do Danúbio - Hungria

A passagem para a Eslováquia seria feita sobre o Danúbio que a Norte serve de fronteira. A ideia seria ir até à cidade de Esztergom (ainda do lado húngaro) fazer uma breve paragem junto à enorme Basílica da Abençoada Virgem Maria e atravessar a ponte sobre o rio que nos leva à Eslováquia.



Este templo é considerado o maior edifício público na Hungria com 5.600 metros quadrados de área interior e um tempo de reverberação de 9 segundos!

Basílica da Abençoada Virgem Maria - Esztergom, Hungria

Queríamos também tirar uma foto à placa de fronteira para marcar o momento.

O problema é que a placa está pendurada ao meio da ponte, de maneira que passou-nos logo a ideia. Estávamos também à espera de algum controlo fronteiriço por causa da situação recente de refugiados, mas a verdade é que nada… nem sequer um polícia.

A partir daqui iríamos sempre para Norte, atravessando a Eslováquia de ponta-a-ponta. A primeira impressão foi boa. Entrámos por uma região rural interessante com campos a perder de vista. A agricultura por aqui parece ser intensiva. Viam-se hectares e hectares de área cultivada. De vez em quando passávamos por uma aldeiazita. Mas tudo o que víamos não estava assim muito recuado no tempo. As construções eram simples e práticas, sem qualquer tipo de breloque, num estilo industrial a relembrar a influência comunista. Aqueles telhados em chapa de zinco e paredes em tons fabris de beges, azuis, cinzentos, acabavam por ter algum charme.

Reminiscências soviéticas (Miguel) - Eslováquia

Os carros aqui não são muito diferentes da Hungria: chaços é raro vê-los e a maioria são Skodas com 5 a 10 anos (não fosse a fábrica estar já aqui ao lado, na República Checa). O pessoal na estrada anda certo, e por aqui os faróis têm de andar acesos também durante o dia. Ah… vê-se pouca mota na estrada, e o que aparece não tem matrícula eslovaca.

Algures - Eslováquia

Muito agradável este troço pelo Sul da Eslováquia. Soube muito bem fazer esta estrada atravessando esta região campestre, plena de vegetação rasteira. Víamos áreas cultivadas a perder de vista, o pessoal aqui é do trabalho. O cenário começou a mudar quando nos aproximámos de Banska Bystrica, sexta cidade mais populosa da Eslováquia. Atenção que este país é pequeno, cerca de 5 milhões de habitantes (metade de Portugal). Bystrica terá cerca de 80 mil, qualquer coisa aproximado à população de Torres Vedras.

Praça principal - Banska Bystrica, Eslováquia

Estava na hora do almoço e tínhamos uma paragem planeada no centro de Bystrica, assim resolvemos juntar o útil ao agradável. Sentámo-nos numa esplanada da praça, e adivinhem o que era? Mais um restaurante italiano, claro!... Chiça… é que já farta… Não há por aí um bom bacalhau?! Ou um bife com ovo a cavalo, caraças?!

Eu tentei variar dentro do invariável, e pedi um risotto… No interior o restaurante tinha um ar modernaço, mas preferimos ficar cá fora para apreciar o sítio.

A praça era bem bonita, com casas típicas de dois ou três andares em redor, e no topo uma igreja com uma torre generosa.

Igreja da Assunção da Abençoada Virgem Maria - Banska Bystrica, Eslováquia

Na praça estava também instalado um fontanário impressionante de pedra junto a um obelisco negro erigido em memória dos soldados russos e romenos que sucumbiram na libertação da cidade em 1945.

Fonte de pedra e obelisco - Banska Bystrica

Veio a comida, e foi uma agradável surpresa. Os preços dos pratos eram manifestamente baixos, mas o que chegou à mesa não reflectia nada disso. Tudo bem servido e confeccionado. Evidentemente para ficarmos totalmente saciados veio também tiramisu e uns cheesecakes de limão de sobremesa, que estavam ao nível do restante. Creio que terá também terá sido das melhores sobremesa que nos chegou aos dentes durante toda a viagem.

Felicidade em forma de açúcar (Daniel) - Banska Bystrica, Eslováquia

Café servido em almoçadeiras - Banska Bystrica, Eslováquia

Entretanto o tempo estava a mudar e parecia que vinha trovoada a caminho.

Bystrica está mais ou menos encalhado junto a uma cordilheira montanhosa conhecida por Baixo Tatra (700 a 800 metros de altitude). Baixo porque claro está, há também o Alto mais a Nordeste e que se divide entre Eslováquia e Polónia. Íamos de seguida atravessar o Baixo Tatra. O Alto estava fora de rota, não nos dava jeito por lá passar.

A paisagem estava a mudar, vegetação mais alta amontoada nas colinas à nossa volta. Não seria propriamente o encanto de alta montanha, mas era um cenário muito agradável também. A estrada era divertida e ia alternando com uns troços de curvas rápidas e alguma estrada a direito. Volta não volta, íamos vendo um ribeiro à beira da estrada, e sobre este umas pontes de madeira engraçadas. Parámos numa para bater um retrato.



Só as miúdas - Eslováquia