34. Calor, Quilómetros e Arepas

Dormiu-se bem e quando acordámos estava um lindo dia lá fora. Ajeitámos tudo e fomos tomar um parco pequeno-almoço na sala de refeições do barco...

Felizmente, pelo andar das coisas parecia que desta vez não haveria atrasos e chegaríamos a Espanha durante a manhã.

Na ida deixámos as nossas coisas no camarote e fomos aguardar no bar que o navio fizesse a aproximação ao porto, o problema é que esta malta começa a fazer limpezas aos camarotes ainda o barco está no mar. Assim, desta vez trouxemos todos os nossos pertences até ao bar, que é pelos vistos o que todos fazem. Fica por ali um amontado de gente e malas a aguardar umas boas duas horas até que finalmente seja autorizada a descida ao porão, ou seja a garagem.

Primeiro descemos nós, o pessoal das motas… São as primeiras que entram e as primeiras que saem… Já estavam desamarradas e após uma verificação rápida, estava tudo em ordem...
Meter a tralha nas malas, capacete na cabeça, luvas e vamos embora daqui! A coisa processa-se muito rápido, num instante o pessoal está na rua. Saímos do porto como entrámos: sem qualquer problema ou verificação policial. Em pouco tempo estávamos a sair de Barcelona pela via rápida. Logo que pudemos parámos numa pequena localidade para abastecer e olear corrente. E depois foram umas quantas horas de acelerador aberto para alcançar os arredores de Madrid

Autovia A2 - Espanha

Aqui o cruise-control é um mimo, é como na playstation… A velocidade fixada aparece no mostrador digital e vai-se controlando com os botões para cima e para baixo ao gosto do freguês.

Comandos do cruise-control

À medida que nos aproximávamos do meio-dia o calor também ia chegando… Eu já tinha o blusão e as calças todos arejados, mas mesmo assim estava uma brasa dos raios!

Logo de início descartámos a possibilidade de fazer Barcelona/Lisboa de uma só virada. Primeiro, porque a hora de saída do barco não é certa, depois porque a vontade de fazer 1 milhar de quilómetros (logo depois de 5) não é muita e sobretudo porque é também perigoso: o corpo vai moído, a cabeça também e o cansaço torna-nos forçosamente desatentos… No fim de contas, mais um dia faz toda a diferença para um regresso tranquilo. Posto isto, teríamos de fazer uma paragem mais ou menos a meio do caminho. Madrid pareceu-nos a opção mais lógica, mas depois há a confusão e o preço das estadias que nos obrigaria a ficar mais longe do centro, e dificilmente com pachorra para passear até lá. Também tínhamos decidido não fazer o regresso pela A5 que liga Madrid a Badajoz e que é uma seca tremenda.

Já se tinha falado no passado num passeiozito a Segóvia, que fica a Norte de Madrid. Eu estive lá precisamente há um ano e achei aquilo giríssimo, de modo que achámos que não seria mau por lá ficar. Mas depois de varrermos as ofertas de estadia por ali desistimos da ideia: ou muito caro, ou afastado do centro… Olhando para o mapa acabei por encontrar Manzanares El Real que nos pareceu a todos uma boa opção.

Manzanares localiza-se numa serra a Norte de Madrid. Está a 50 quilómetros da capital, fora da confusão e dos circuitos turísticos. É calminho, agradável e encontrámos por lá um hotel a bom preço. As motas ficariam à porta do hotel, mas sem problema, aqui não se passa nada... Até lá chegar ainda tínhamos uns bons quilómetros de autovias pela frente. Já fiz uns quantos quilómetros por estas vias rápidas espanholas e globalmente acho a maioria detestável. São cómodas, seguras e gratuitas, certo… mas tão aborrecidas que dói o fundo da alma… E não se trata de uma atitude patriótica de defender o que é nosso. É claro que prefiro autovias gratuitas a autoestradas pagas! Mas bolas, em termos de cenário acho as nossas autoestradas são bem mais agradáveis… Podendo, em Espanha eu prefiro circular por nacionais. O que não era o caso. A distância era longa e o tempo escasso, o que não nos deixou grande margem para criatividade. Pior ainda, lá pelas 11 e picos estava-se a levantar um calorzinho do raios-ta-parta… naquele bocado até Madrid parecia que estávamos a atravessar o deserto: sempre a direito, tudo seco, Sol na pinha com fartura (nem um bocado de sombra) e um bafo de calor nas ventas que afligia… Que sofrimento!

Autovia A2 - Espanha

Pela hora de almoço fizemos uma paragem num daqueles “Comedores” de beira de estrada. Deixámos as motas à sombra de um alpendre e entrámos no restaurante que felizmente estava refrigerado. Convenhamos que ir a rolar de fuças ao vento é parte do gozo de andar de mota, mas com temperaturas assim a condução é muito desagradável…

Restaurante de estação de serviço - Espanha

Lá dentro o ar condicionado estava a bombar forte, e isso deixou-nos logo mais bem-dispostos! O local não tinha muito para contar, um daqueles restaurantes para camionistas e pessoal do trabalho com uma sala de refeições ampla. A empregada era muito alta e bastante simpática. Trouxe-nos a ementa que como é costume não era nada de especial: dois pratos à escolha entre: febras, filetes, calamares, carnes frias e saladas mistas... O típico menu de dois pratos que é servido em quase toda a Espanha. Também não nos podemos queixar muito, geralmente fica em conta e é em boa quantidade, como neste caso. Não ficámos deslumbrados com o chefe, mas ficámos satisfeitos. O café é que enfim, é sempre uma surpresa… Não pedindo um “café solo”, vem sempre um galão para a mesa, e pedindo, é rezar para que não chegue numa almoçadeira de café… Despachámos a coisa rápido, pagámos e seguimos para a torreira. Que choque térmico!... Estava insuportável, e tínhamos ainda pela frente mais umas horas valentes disto…

Já próximo de Madrid tínhamos de fazer uma saída estratégica da autovia para não entrar na autopista e pagar portagem… O GPS fez-nos ali dar uma volta à toa e tivemos de improvisar o caminho. Ao fim de uns quilómetros voltámos a encarreirar no percurso e continuámos por estrada nacional. Mas o calor continuava… Ao fim de um dia inteiro cansados e debaixo de Sol, eu pela parte que me toca já estava farto até à ponta dos corninhos!... Caramba, que os últimos quilómetros custaram horrores! Já não sabia como estar em cima da mota e a sensação de desconforto era total… Não que a Tiger seja desconfortável antes pelo contrário. Mas nestas condições o desgaste é maior e o desconforto chega mais cedo.

E, finalmente chegávamos ao destino, Soto del Real. Um pueblozito banal com um ar pacato, sem muito a dizer. O hotel já tinha uns anos valentes e tinha mais ar de aparthotel que outra coisa. Os quartos eram do tipo duplex e estavam todos lado a lado. Levámos a tralha para o nosso quarto cuja janela dava para as traseiras onde estavam as motas. Acabámos por mudá-las de sítio para ficarem mais perto da janela. Dividimos os aposentos em dois, eu fiquei no piso inferior, o Miguel e o Barradas no de cima. Banhos tomados fomos à rua à procura do que comer. Estávamos numa zona residencial tranquila de modo que fomos andando à procura de um local onde houvesse mais confusão. E encontrámos. Chegámos a umas lojas onde estavam uns três ou quatro bares pegados. O espanhol gosta de cervejas e acepipes, e era precisamente o que havia por aqui. Espreitámos os bares e um deles anunciava arepas. O Miguel conhecia e sugeriu que ficássemos por ali, pareceu-nos bem e com a temperatura que estava ia-nos saber bem sentar na esplanada. O dono do bar era simpático e acolheu-nos logo.

O tipo tinha um jeitão para receber o que convenhamos não é propriamente uma característica dos espanhóis… Ficámos depois a saber que tinha trabalhado na Venezuela, de onde aliás são originárias as tais arepas. O Miguel já nos tinha explicado o que eram: uma espécie de pão tradicional feito à base de milho. É servido como se fosse uma sandes com o recheio que se queira. Mandámos vir uma rodada.

Arepas - Soto del Real, Espanha

Para acompanhar, umas batatas bravas e um "pulpo" à galega de seguida.

Polvo à galega - Soto del Real, Espanha

Souberam bem estes instantes de descompressão… Já a caminho de casa e depois de tantos dias de vadiagem, sentimo-nos realizados e mais ricos: enriquecidos em experiências, imagens, cheiros e sons… Mais vividos…

Miguel, Daniel e Rui - Soto del Real, Espanha

Ainda que por esta altura esteja tudo muito fresco e recente nas nossas cabeças, serão precisos ainda uns dias para digerir tudo isto. A viagem de hoje tinha sido penosa: o stress de desembarcar, a monotonia das autovias e o calor abrasador sentido todo dia. Estávamos bem cansados…

Saciada a fome, regressámos calmamente e sem desvios até ao hotel para uma boa noite de sono…

Amanhã é mais um bocadinho até casa.

33. De Guzzi a Génova

Levantámo-nos cedinho e fomos tomar o pequeno-almoço ao piso térreo da casa onde existia uma cozinha toda equipada. Lá, já estava o nosso amigo à espera para nos servir o pequeno-almoço. O tipo desenrascava-se muito bem no inglês, ainda que com um sotaque forte italiano. E tivemos ali uma agradável conversa com ele, enquanto tomávamos o pequeno-almoço: falámos um bocado de tudo, da nossa aventura, do nosso país e deste país. O tipo conhecia um pouco Portugal por causa dos veleiros, tinha como hobby velejar. Depois falámos desta loucura na estrada que são os italianos… O tipo aí concordou mas como seria de esperar aligeirou o tema… Disse-nos que cá os sinais de trânsito são meramente indicativos (LOL!) e que tinham mais de cinco tipos de polícias, mas que geralmente só levavam a cabo uma acção de fiscalização por ano… De modo que o resto do ano é à vontade, o que explica o a folga com que anda toda gente. Cambada de doidos! É curioso porque o tipo (e geralmente todos os que vimos por aqui) parecia ser muito razoável e sensato, mas deve ser como em Portugal, as pessoas atrás de um volante transformam-se…

Acabado o pequeno-almoço fomos buscar as motos e depois carregá-las com a nossa tralha, e já não devemos ter saído cedo dali.

Motas no estacionamento - Dervio, Itália

Ainda antes de nos metermos na autoestrada tínhamos de tratar de dois assuntos: primeiro passar pela fábrica da Moto Guzzi (uns quilómetros mais abaixo) e ir tirar lá uma foto, em segundo lugar passar por um supermercado e comprar uns víveres que nos servissem de almoço já depois de o barco arrancar (tal como à vinda, a única refeição incluída é o jantar).

A fábrica demos logo com ela e depois de ter arranjado um lugar para pendurar a máquina lá tirámos a foto da "moda" para a posteridade!

Moto Guzzi - Mandello del Lario, Itália

Depois, logo ali, havia um supermercado e fomos lá aviar-nos de bebida e o necessário para fazer umas sandóchas... Bem está tudo, vamos lá embora…

Ainda antes de chegar à autoestrada fizemos um bocado à beira do lago, atravessando uma série de lugarejos semelhantes aquele por onde tínhamos pernoitado... Sítio muito catita este, fantástico para se desfrutar a vida…

E finalmente a autoestrada. Nada de especial aqui. Convém também estar atento mas anda-se menos stressado que nas estradas secundárias. Fui alternando na dianteira com o Rui e fomos puxando um bocadinho para recuperar algum tempo e sobretudo para não perder mais nenhum. O Miguel estava no final e de vez em quando ia ganhando distância, talvez do cansaço ou vontade de trabalhar aquela média maravilhosa… E, de facto, foi ele que das três Tigers conseguiu os melhores consumos! Eu por nacionais acompanhava o consumo das outras, pouco mais de quatro litros aos 100, mas na autoestrada a minha Tiger era a que ficava com mais sede, provavelmente devido ao peso que carregava (julgamos que a carga maior das três) e eventualmente ao meu estilo de condução... Recorde-se que a minha Tiger e a do Miguel são da mesma geração (a mais recente, iniciada em 2015).

Algures próximo de Milão apanhámos algum trânsito. Fizemos como eles e passámos pela berma.

Finalmente já à beira de Génova apanha-se uma via-rápida que mete respeito: uma série de curvas e túneis em duas faixas que vão variando de piso mais ou menos bera, trânsito moderado com muitos pesados, e muito italiano tresloucados de um lado para outro.

Continuámos a ritmo vivo, não ficando a jeito de nenhum maluco. Nessas situações acredito que o melhor é escapar das situações perigosas e ganhar distância. Algumas das curvas eram bem redondas e aquilo dava um certo gozo de fazer.

Passámos e passaram por nós vários tipos de mota, um deles um casal numa Ducati que até ia certinho.

Mais um bocado de dança até lá abaixo e chegávamos a Génova à hora prevista. Mas depois de entrar no porto é a grande confusão… Seguimos atrás de uns italianos, mas os tipos percebiam tanto daquilo como nós e enfiaram-se por uma ponte que não ia dar a lado algum… Depois de andarmos à toa um bocadinho demos com o local de embarque onde já se apinhavam as motas. Ainda nos faltava levantar os bilhetes e onde estávamos não se percebia onde se encontravam as bilheteiras… Perguntei a um marujo que ali estava que me fez sinal lá para cima... Em cima??... Onde porra??... Depois vi que havia ali uma escada que dava para uma porta num edifício… Mas sinalização, zero! Devia ser ali dentro… Siga lá para cima antes que abale o barco!

Era mesmo. Fomos à bilheteira com a reserva pedir os bilhetes, tudo certo e volta lá para baixo!

Agora é aguardar o embarque e se for como na ida, ainda vai demorar o seu tempo…

Na verdade não demorou muito até que nos chamassem para avançar com as motas. As motas entram geralmente primeiro, pois são também as primeiras a sair e o porão do barco faz uma espécie de oval lá dentro, entra-se por um lado e sai-se pelo outro.

Da mesma forma que para cá, deixámos as malas nas motas e estas amarradas seguindo com o saco da roupa para cima. O barco era precisamente do mesmo género que o primeiro. Estava uma quantidade grande de motociclistas, uns provavelmente vindos da região por onde andámos e outros pela pinta e equipamento limpinho deviam estar na viagem de ida, provavelmente a caminho de Marrocos. E por falar nisso a quantidade de magrebinos a bordo também me pareceu bem menor… Subimos ao camarote que era exactamente do mesmo género e estendemo-nos um bocadinho, que já íamos cansados.

Depois fomos dar a voltinha da ordem. O tempo estava fantástico e estava-se muito bem lá fora…

Até um dia - Génova, Itália

Fomos ao bar beber alguma coisa e ter um bocadinho de conversa. Acho que ainda estávamos um bocado eléctricos daqueles últimos quilómetros feitos com emoção. Mais um giro lá fora e fomos para o camarote de novo. Tínhamos falado previamente em gravar uns minutos de conversa frente à câmara sobre toda esta aventura que estava já quase no fim. Sugeri que fosse uma conversa informal sobre a viagem na perspectiva de cada um. Pareceu-me que seria ali o momento certo para gravar algum testemunho. Íamos ter tempo e as memórias ainda estavam frescas. O Rui e o Miguel estavam um pouco acanhados mas depois de ter montado a câmara do Miguel no tripé e de ter lançado os temas, a prosa acabou por sair! Pena foi que a máquina tenha um limite de 20 minutos por segmento de vídeo e não nos termos apercebido disso! As gravações não ficaram completas mas, acredito, que suficiente para montar um vídeo jeitoso!

Um sumário de 5 minutos de conversa no Ferry Génova/Barcelona

E pronto, mais uma volta à barcóla e eram quase horas do jantar, que foi nos mesmos moldes do primeiro para cá: muito mauzinho… Parece-me que havia também um espectáculo marroquino de não-sei-o-quê que passámos. Estávamos um bocado moídos e amanhã tínhamos uma boa quantidade de quilómetros a fazer debaixo de calor segundo previa a meteorologia... Então vamos ao descanso!

32. Stélvio acima, Stélvio abaixo

O tempo, esse continuava a nosso favor, um Sol fabuloso. Já estávamos próximos de Itália e dificilmente o tempo mudaria. Isso significava que poderíamos subir o Stélvio nas melhores condições. Decidimos fazer a passagem de Nordeste para Sudoeste que é como recomendam fazer. Sinceramente não sei se será a melhor maneira para quem vai de mota, voltarei mais adiante a este tema… A aproximação à montanha é fabulosa! Do nosso lado esquerdo um vale lindíssimo que se vai avistando quase até ao inicio da subida… E depois chegam os famosos cotovelos: são infernais ou mesmo medonhos… Já fiz cotovelos lixados nos Pirenéus, nos Alpes e até naquela famosa estrada do Col du Turini do Sul de França… Mas estes levam o prémio! A estrada depois da curva é paralela e está desnivelada tipo degrau. O que faz com que no inicio da curva se tenha visibilidade nula para cima. É totalmente às cegas, só temos de não sair da nossa faixa e esperar que não venha ninguém no sentido contrário, isto porque a estrada é tão estreita que um carro e mota lado-a-lado ficam à pele e um autocarro ocupa seguramente toda a largura. E como se sabe este tipo de curva em cotovelo não é o forte das motas, dificilmente se faz sem passar o eixo da via. O Rui seguia a frente e foi liderando a caravana com cautela. Ao inicio do cotovelo parava fora de mão para ficar visível e para conseguir ver algum que viesse de cima. E nestas condições, é assim que se deve fazer. Depois é dosear bem a embraiagem para fazer a curva devagarinho sem perder o equilíbrio e tracção. E atenção estas curvas são obrigatoriamente para fazer em primeira!

Eu confesso que não gosto de “queimar” embraiagem e prefiro controlar só com o acelerador. Mas logo na segunda curva apanhei um cagaço quando o motor se quis calar! Atribuí isso ao modo Sport de condução em que estava a Tiger. É mais nervoso e de extremos. Mudei em andamento para o modo Road (mais convencional) e a coisa resolveu-se. Seguia atrás do Rui e o Miguel atrás de mim. O Rui ia-me dizendo pelo intercomunicador o que via adiante e raras foram as vezes em que não entrei fora-de-mão na curva.

Mesmo antes de chegar ao topo há uma espécie de miradouro sobre esta cobra safada que fizemos montanha acima. Parámos aí uns minutos…



A vista é magnífica e o local grandioso!

A vista do miradouro - Estrada do Stélvio, Itália

Uma dezena de quilómetros disto - Estrada do Stélvio, Itália

Em termos de cenário é capaz de ser um niquito superior ao Grossglockner. Também por aqui muita neve, o que não admira a esta altura. Merece bem uma pose…

Mítico - Passo do Stélvio, Itália

Subimos mais um bocado até ao cimo onde se concentra uma multidão de pessoal das duas rodas.

No topo - Passo do Stélvio, Itália

E claro tinha de ser, uma foto da praxe!

Outra - Passo do Stélvio

Fiquei com a impressão que já se fazia sentir o efeito da altitude. O motor da Tiger parecia estar a queimar com mais dificuldade e eu próprio sentia alguma diferença. Seria isso ou ainda o stress de vir por aí acima apertadinho. Cá em cima não há nada de especial, umas barracas que vendem umas tretas caríssimas para turistas e outra que vende umas sandes e cachorros...

Já tinha lido que o lado Sul é mais pacífico de fazer, nada a ver com os cotovelos que fizemos. Daí ainda a minha dúvida sobre qual o melhor sentido para atravessar o Stélvio de mota. De Sul para Norte faz-se a parte mais complicada com travão e motor, que é mais fácil de gerir que acelerador e embraiagem. Para além do facto, que imagino eu, que virado para baixo se consiga avistar a monumental sequência de curvas. Para cima pouco se aprecia. Mas convém dizer que o lado Sul não é nada de deitar fora. Mais fácil de fazer é também mais variado em paisagem. No inicio fazem-se umas curvas largas no meio da neve que vai desaparecendo à medida que vamos descendo. Depois passa-se ao lado de uma cascata, pena o facto de não haver ali onde parar.

Mais adiante ainda, a descer, apanhámos um Range Rover que ocupava quase a estrada toda. Tivemos de gramá-lo um bom bocado à nossa frente e levar com a fumarola que lhe saía do escape. Passámo-lo um a um. Eu seguia atrás e já só o consegui passar quase quando chegámos lá abaixo. Bom, já rolávamos em Itália… Mas verdadeiramente não se notava grande diferença. A paisagem continuava magnífica, muito verde e até os nomes das aldeias não pareciam muito italianos.

A nossa estadia para hoje estava marcada para a margem do lago de Como numa pequena povoação de nome Dervio. Faltavam uns quantos quilómetros pela frente, feitos maioritariamente por nacionais. Quando chegámos ao vale próximo do lago passámos uma série de túneis que entram montanha adentro. Já falei anteriormente da falta de respeito dos austríacos na estrada, pois esses são uns meninos quando comparados aos italianos. Aqui quase nenhum respeita a sinalização. Andam todos como querem! De maneira que quando entramos nos túneis à velocidade máxima permitida, para eles parecemos uns totós na estrada. É vê-los a ultrapassar acima de 120 em curvas dentro de túneis, na boa… São todos artistas do volante, e polícia nem vê-la. Seguimos ao nosso ritmo, que é o de respeitar a sinalização local. Mas sempre atentos às manobras ousadas destas vedetas. Uma condução um bocado stressante… Depois apanhámos uma recta imensa com algum trânsito, mas com uns bons bocados onde se rolava bem. Eu ia com os dedos em cima da manete do travão, atento a que a qualquer momento se atravessasse à minha frente um tipo vindo das estradas secundárias laterais. Isso mais as ultrapassagem à papo-seco e os encostos à traseira era o suficiente para ficarmos bem tensos e bem atentos.

Adiante o trânsito ficou mais compacto e começámos a furar. Aí os tipos facilitam mas é preciso a mesma cautela para antecipar parvoíces… Finalmente um troço de autoestrada que se fez muito bem depois destes apertos, e começámos a ver o lago circulando pelo lado Este deste. E que avistamento maravilhoso. É como se vês nos postais e nos filmes! Uma extensão de água que mais parece um grande rio, emoldurada por montanhas. Convém referir que é o terceiro maior lago de Itália com uma superfície de 146 quilómetros quadrados, ainda assim cerca de um quarto da área do Balaton que vimos na Hungria. Onde se destaca é na profundidade máxima, uns assustadores 400 metros. Geograficamente forma um Y invertido e nós estávamos a descer pela topo. Fizemos uns poucos quilómetros disto e alcançámos o destino, a povoação de Dervio. Trata-se de um dos muitos conjuntos urbanos que existem ao longo das margens do lago. Outra povoação mais abaixo é Mandello del Lario onde está sediada a mítica Moto Guzzi, mas a isso lá iremos amanhã. Já agora, Lario (ou Lário) é o nome romano original do lago, mas todos o chamam de Como, vai-se lá perceber porquê.

Tínhamos reservado um quarto triplo numa casa de hóspedes com aspecto agradável. O problema foi mesmo dar com ela. Demos ali duas voltas onde nos pareceu ser mais ou menos, mas não demos com nada. Depois mais uma tentativa pelas ruelas e lá conseguimos encontrar o sítio. Atendeu-nos um tipo na faixa dos 30 ou 40 anos muito afável. As casas por aqui são antigas, mas esta tinha sido toda recuperada recentemente. Uma das razões pelo qual escolhemos este sítio foi a disponibilidade de estacionamento privado, o que nos permitiria deixar as motas a pernoitar em segurança. Essa foi uma das preocupações que tivemos durante toda a viagem. Desconhecendo totalmente os locais por onde iríamos passar preferimos sempre largar mais uns euros e deixar as máquinas resguardadas e em segurança. Aqui o estacionamento era ao ar livre mas fechado com portão de ferro e um foco de luz apontado às motas, daqueles que liga com movimento. O espaço era um pequeno terreno a 150 metros da casa pelo que descarregámos as malas à porta de casa e fomos levar as motas até ao terreno.

Parque de estacionamento para as Tigers - Dervio, Itália

Voltámos ao nosso quarto e estávamos todos a precisar de uma banhoca antes de ir à procura do jantar. O quarto não era muito grande, mas todo feito de novo com uma decoração simpática. Havia uma cama de casal e um beliche. A cena dos beliches já nos tínhamos habituados… Íamo-nos revezando. A casa de banho também toda renovada e com bom gosto, era bastante pequena. Havia um duche pequeno de tal maneira que a cortina por vezes parecia um capote nas costas… Mas serviu o propósito que foi refrescar estes corpinhos cansados. Estávamos bem melhor e recompostos para ir procurar a janta... Já a sair da casa perguntámos ao nosso anfitrião o que haveria por ali de comes e bebes. Aparentemente esta gente deita-se cedo, e embora nos tenha dado duas ou três opções ele estava com dúvidas se estariam ainda a servir jantares.

Decidimos descer até às margens do lago e ir à procura de um restaurante que ele nos tinha indicado. Fomos por ali a corta-mato e o local tinha muito bom aspecto: uma povoação pequena com um misto de vivendas e prédios de dois pisos alguns antigos, outros mais recentes e alguns renovados. Não se deve viver nada mal por aqui.

A caminho do lago - Dervio, Itália

Já estava luz-fusco quando chegámos ao lago e já se viam uma centena de luzes do outro lado. Tivemos sorte e encontrámos uma espécie de café ou bar mesmo ali à beira. Estava aberto e servia umas coisas para comer... pizzas, claro. Perguntámos se dava para jantar, pois já praticamente só estávamos nós. Atendeu-nos uma moça num inglês quase perfeito que pelo que percebemos não trabalhava ali mas era uma amiga da gerência. Fez-nos o favor de aceitar o pedido. Para além das pizzas havia uns panados, mas aparentemente apenas um. O Miguel ficou com ele, entre panados e pizzas venha o Diabo e escolha. O local era muito agradável. Um espaço todo envidraçado com uma decoração moderna e virado para o lago. Não demorámos muito a comer e depois ainda fomos até à beira da água, mas pouco ou nada se via por esta altura.

Lago de Como - Dervio, Itália

Não fosse termos um barco para amanhar amanhã e tinha-se aqui tomado o pequeno-almoço com uma pinta do cacete! E precisamente o facto de pouco já se ver e termos de cumprir horário amanhã não nos fez ficar muito tempo ali. Voltámos para cima e de caminho vimos o italiano da casa, andava a passear o cão mais a família. Pelo que percebemos vivia ali perto, mas não na casa onde estávamos, essa serviria apenas para os alugueres. Regressámos ao quarto e ainda estivemos ali a pensar um pouco no dia de amanhã. Não havia grande margem. Descer pelo lago para apanhar a autoestrada e depois seguir por aí a bom ritmo até ao Mediterrâneo, esperando não apanhar muito trânsito de caminho. O barco estava marcado para sair às 13h00 com embarque às 12h00 o que nos dava cerca de 3 horas para fazer os 250 quilómetros até lá… Então vá, xixi e cama!

31. Cadê o Disco?

Algo que precisávamos para hoje era outro dia de Sol igual ao de ontem. Com um plano para subir até aos 2700 metros de altitude, a chuva e frio podem ser um problema sério. Felizmente o bom tempo mantinha-se, pelo menos por aqui… Aprontámo-nos e descemos até à sala dos pequenos-almoços. Já lá estava um fulano maduro a comer, provavelmente o alemão da Explorer que vimos ontem. Tomámos o pequeno-almoço e seguimos com a rotina das manhãs de reempacotar tudo nas motas… E foi aí que me apercebi que me faltava o disco externo onde tinha estado a guardar todo o relato de imagem da viagem… Oh desgraça! Tirei o saco e despejei-o em cima da mota a ver se não estava ali o disco… e nada. Abri as malas e virei-as do avesso… e nada… Foi-se! Fiquei lixado comigo mesmo! Felizmente o Rui e o Miguel tinham as suas fotos ainda nos cartões de memória, mas todo o vídeo e grande parte das minhas fotografias estavam naquele disco… Ora a última vez que me lembro de o ver foi de véspera, junto ao lago em Hallstatt: toca de ligar para lá… Ninguém atendeu… Bolas. agora temos mesmo de seguir caminho... Liguei para a casa a pedir que tentassem contactar com o hotel a ver se achavam o disco e a possibilidade de o enviar para casa...

No entretanto, chegou o alemão que meteu conversa connosco. Estava ali para o Tridays. O tipo reparou que tínhamos as vinhetas coladas nas malas e avisou-nos que poderíamos ter problemas com a polícia: disse-nos que tinham de estar coladas em partes não amovíveis… Ele próprio tinha levado uma multa por ter a vinheta colada no vidro. O mais normal é colar nas bainhas. Bom, agora nada a fazer, esperemos não ter chatices até sair da Áustria.

Fomos à nossa vida que é como quem diz em direcção a Itália. Mas antes ainda tínhamos uns valentes quilómetros pela frente de paisagem verdejante. O Rui queria tirar uma foto com um dos muitos bonecos de propaganda do Tridays que estavam espalhados nas imediações... Encontrámos um à saída de Neukirchen, mas o sítio não era grande coisa e implicava meter as motas paradas em fora-de-mão para se conseguir apanhar o "britânico"... Eu achei que era melhor evitar "acrobacias" matinais e deixei-me estar estacionado no lado certo da estrada.

Tritigers, Tridays - Neukirchen, Áustria

Depois metemos-nos por uma estrada secundária levada da breca: estreita, torcida e com um pavimento que não lembra ao Diabo. Ao nível do pior piso escavacado que temos nas nossas nacionais, quiçá ainda mais horrível! Uma valente porrada nas costas. Mais adiante voltámos ao vale e apanhámos algumas rectas com bastante movimento. E aqui destaque para a falta de cuidado destes artistas: pessoal a pisar o traço contínuo para ultrapassar a grande velocidade não é inédito por aqui. Depois os semáforos mudam de vermelho para laranja e depois para verde. Ao laranja já está tudo pé a fundo no acelerador, e se um tipo não for rápido no gatilho é logo ultrapassado no semáforo. Vimos isso a acontecer com o Rui que foi ultrapassado por um tipo que pisou assim que o semáforo mudou de vermelho para laranja. É claro, ia dando asneira, pois quando o Rui arranca tinha um carro a querer atravessar-se à frente. Manobra totalmente desnecessária. O Barradas enervou-se e meteu-lhe a Tiger á frente de novo. Fez-lhe sinal com o braço para mostrar o desagrado e depois o tipo teve de gramá-lo tranquilamente à frente dele. Não sei se percebeu a reprimenda, pelo menos não refilou. Está certo que um tipo quando vai de mota é sempre o elemento mais fraco, mas caramba isso não quer dizer que não existimos na estrada como os outros… Enfim, isto para dizer que apesar de terem um dos rendimentos por capita mais elevados na Europa, isso não os faz necessariamente os mais civilizados. Do que me foi dado a ver, os espanhóis na estrada são, por exemplo, bem mais certos que este pessoal.

Finalmente apanhámos a autoestrada que passa ao lado de Innsbruck e foram uns 200 quilómetros praticamente a direito, sempre sem largar a paisagem de montanha ao nosso redor.

E depois disto saímos para Sul em direcção a Itália que alcançámos pouco tempo depois entrando por Résia ou Reschensse (aqui ainda se falam duas línguas).

Estava na hora de começar a pensar no almoço, fomos andando ficando atentos a eventuais propostas interessantes que aparecessem na estrada. Junto ao lago de Résia fizemos um pequeno desvio para uma paragem técnica e mais umas fotos claro.

Panorâmica do lago - Résia, Itália

Comuna italiana de Résia do outro lado - Résia, Itália

E foi aí que descobri o disco externo que supostamente tinha perdido! Caneco, estava abatido com esta ideia de ter perdido quase todo o meu registo fotográfico. Felizmente tinha-o enfiado numa bolsa de rede na lateral da mochila fotográfica. Não costumo colocar ali nada, devo o ter metido ali à pressa e não mais me lembrei dele… Chiça, que alívio!

Já se estava bem de manga curta (Rui e Miguel) - Résia, Itália

No regresso ao percurso vimos ali um restaurante sobre o lago. Acabámos por lá ir espreitar. Era uma espécie de casa antiga adaptada a restaurante. Havia uma esplanada mas preferimos ficar dentro de casa. A vista daqui sobre o lago era fabulosa! A senhora falava muito mal inglês, mas lá percebemos que tinha ficado sem electricidade e que só tinha pratos frios de saladas.

Résia, Itália

Olha menos mal. Pelo menos não é pizza… e é saudável vá. Vieram três saladas bem aviadas de legumes com um trave picante e depois por cima disso as sobremesas claro. Foi um almoço leve e não ficámos mal… Não houve foi café… Temos de tomar mais adiante.

Résia, Itália

Contornámos este lago de azul turquesa e parámos na ponta extrema a Sul onde existe um estacionamento com vista privilegiada sobre uma torre de igreja afundada. O lago é artificial e data de 1950, tendo ficado submersas as ruínas de uma igreja do século XIV cuja torre ainda se ergue das águas. Dá um postal bem jeitoso…

Torre da igreja submersa - Lago de Résia, Itália

Fomos a um café que havia ali defronte, mas mesmo problema… Ainda vamos ter de andar uns bons quilómetros até apanhar alguma coisa a funcionar. A ver se o Miguel aguenta, que o homem começa a stressar com a falta de cafeína!

Um par de fotos e siga caminho… Fomos descendo passando por uma série de aldeolas. Parámos na primeiro que nos pareceu não ter problemas de luz eléctrica, o que aconteceu uns quantos quilómetros depois. Estacionámos as motas no parque e entrámos numa espécie de café/pastelaria muito semelhante às que temos por cá. Cafézinhos para todos, se faz favor! Estava um bocado de calor por aqui, mas sem ser desagradável. Depois dos cafés aproveitámos para olear as correntes: é um ritual que se faz frequentemente, mais ou menos a cada 500 quilómetros lubrifica-se a transmissão. A três é coisa para se fazer depressa. Dois metem a mota no descanso central, e outro agacha-se e passa o spray enquanto o que está a segurar a mota atrás faz girar a roda traseira com o pé... A transmissão agradece.


30. Grossó-coiso-e-tal

Muitas motas para cá e para lá, mas nada em número exagerado, o custo da portagem tem o efeito de racionar o trânsito. Outra paragem obrigatória no miradouro de Kaiser-Franz-Josefs-Höhe a 2369 metros com vista privilegiada para a montanha do Grossglockner (3798 metros, a mais alta da Áustria) e para o glaciar Pasterze, que com 8,4 quilómetros de comprimento é o maior dos Alpes Orientais...



Miradouro Kaiser-Franz-Josefs-Höhe - Grossglockner, Áustria

Este miradouro é baptizado em homenagem ao Imperador austríaco do mesmo nome que em 1856 após uma longa caminhada também aqui contemplou o glaciar e a montanha... Tudo grandioso e soberbo, difícil de descrever por palavras. Felizmente ficam as imagens, a paragem aqui é absolutamente obrigatória!

Vale glaciar - Grossglockner, Áustria

Glaciar Pasterze - Grossglockner, Áustria

Mais uns quilómetros desta estrada fabulosa e chegamos a Lienz, uma vila já de boas dimensões. Optámos por seguir o itinerário planeado e não fazer o regresso a Norte pelo mesmo sítio, passando ao lado do Grossglockner pela estrada do Felbertauern. Esta estrada é bem diferente da outra, é essencialmente uma recta longa que atravessa um lindíssimo vale. Às tantas, atrás de nós colaram-se duas ou três motas estilo café racers com uns condutores maduros equipados a rigor: que é como quem diz, penico na cabeça, blusão de cabedal e calças de ganga. Estávamos a rolar a bom ritmo sempre dentro dos limites permitidos, e os nossos amigos a acompanhar atrás. Íamos ultrapassando os carros sempre que dava e os racers faziam o mesmo. A dada altura surge um camião à nossa frente que conseguimos passar os três sem problemas… os camaradas que iam atrás de nós, entusiasmados tentaram fazer o mesmo logo atrás de nós, mas claramente falharam nas contas pois foi por pouco que não foram apanhados… Totalmente desnecessário! Na subida até à portagem (sim, aqui também se paga: 10 euros) distanciámo-nos um pouco deles. A portagem está no início de um túnel com cerca de 6,5 quilómetros de comprimento. Do outro lado a estrada continua, um pouco mais curvilínea. O cenário continuava fabuloso, sempre rodeados por grandes cordilheiras montanhosas…

Havia ali ainda um desvio a fazer, para um local que tinha enfiado no percurso. Saímos da estrada principal para apanhar uma estrada secundária do lado oposto. Um caminho rural estreito com o piso irregular nalgumas zonas, mas sempre alcatroado. Fomos andando por ali fora com agrado. Um ambiente campestre de montanha com algum gado a pastar neste maravilhoso cenário verde ao nosso redor… Mas o melhor estava para vir! Ao cabo de 2 ou 3 quilómetros chegámos ao ponto que tinha marcado, deixámos as motas numa espécie de parque de estacionamento e subimos uma ladeira. E raios parta, ficámos boquiabertos com o que estava do outro lado… Melhor que tentar descrever é deixar de seguida uma foto!

Hintersee, Áustria

Bom desvio este, vale bem a pena! Fiquei a pensar na quantidade de recantos como este que por aqui não devem faltar... O lago à nossa frente é o Hintersee, está situado a 1313 metros de altura e com 550 metros de extensão é considerado um dos maiores lagos da região. Com tanto sítio acabado em See tínhamos percebido que a palavra surge associada a lago. Pois em alemão é mesmo assim que se diz, e esta é a língua oficial na Áustria.

Águas transparentes do lago - Hintersee, Áustria

Atenção que existe outro Hintersee mais popular e conhecido que se situa na Alemanha e que nada tem a ver com este lugar.




Faltava uma destas - Hintersee, Áustria

Não estávamos sozinhos, havia ali um rapaz e um miúdo mais novo que mais tarde se aproximaram de nós. O mais velho (com vinte e tal anos) meteu conversa e falava muito bem inglês Tinha uma pinta estranha, perguntou-nos logo se éramos portugueses. Mesmo não falando a nossa língua esteve a ouvir a nossa conversa e pelo som percebeu que seríamos portugueses… É esperto este fulano! Ficámos a saber que era um judeu austríaco e que o miúdo mais novo era seu irmão e que já tinham vivido uns tempos na Suíça. Falámos um pouco das voltas que já tínhamos dado e da nossa experiência em Auschwitz. Achei curioso o facto de ele nunca lá ter estado apesar de referir ter tido família lá aprisionada e de ter ouvido relatos na primeira pessoa. Mais estranho ainda, não demonstrava grande vontade de conhecer… Outra coisa que nos disse é que, segundo ele, na Europa não existia lugar mais verde que a Áustria. E é capaz de não andar longe da verdade, efectivamente tudo por aqui é verdíssimo. Passámos ali um quarto de hora a falar com ele antes de voltar às motos. Descobrir este bocadinho de paraíso escondido soube maravilhosamente.

Última foto - Hintersee, Áustria

Voltámos ao nosso percurso, uma estrada fácil e tranquila pelo meio de uma zona mais ou menos rural. A estrada por onde circulávamos já estava na sombra com o Sol a querer sumir por detrás do cenário montanhoso à nossa volta. Gosto muito de ter esta sensação de fim-de-dia num cenário destes. Estes instantes onde a luz é mais suave e quente dão um colorido ao horizonte inesquecível.

Finalmente estávamos a aproximar-nos de Neukirchen uma povoação que é conhecida também por ser de Inverno uma estância de esqui nos Alpes austríacos. E de repente começámos a ver à beira da estrada uns estandartes enormes da Triumph… Olha, queres ver que já sabem que estamos por aqui… E ainda dizem que os austríacos não são hospitaleiros!

Bem, na verdade Neukirchen é o local onde se realiza o evento Tridays da marca Triumph. Um encontro anual de proprietários por esta região da Europa. É uma festa grande organizada pela própria marca e durante um fim-de-semana os triumphistas apoderam-se deste local. São bandeiras por todo o lado e praticamente todo o alojamento está reservado às estadias dos triumphistas… O local onde iríamos ficar era uma espécie de guest-house. Na verdade tratava-se de um chalé onde vários quartos eram alugados, sendo que os proprietários (um casal nos seus 40 e muitos, 50 e poucos) viviam no piso superior. Deixámos as motas no alpendre da casa onde já estava uma Tiger Explorer de matrícula alemã. Fomos amavelmente recebidos pela proprietária que falava relativamente bem inglês. Levou-nos ao interior da casa, até ao nosso quarto no primeiro piso e de caminho conhecemos o proprietário que não fala a ponta de um chavelho de inglês. Depois o tipo levou-nos à cave para nos mostrar onde poderíamos deixar o equipamento a secar. O homem tinha ali montado um sistema de secagem para roupa no Inverno. Sendo Neukirchen uma estância de Inverno, claramente a época alta daqui é em Dezembro. Daí estarem preparados para estas coisas… Mas nós dispensámos a cena, não tínhamos a vestimenta molhada e as botas deixámo-las na varanda. O quarto era do tipo familiar mas não muito grande para três galalaus como nós. Ainda assim era suficiente, havendo uma cama de casal e um beliche… Felizmente hoje ninguém teria de improvisar camas!

Trocámos de roupa e fomos dar uma volta pela aldeia para ver o andamento dos preparativos. Estávamos na Terça-feira à noite e o evento iria começar na Quinta-feira, de modo que estava já quase tudo no seu lugar e já se notava pessoal a circular por aqui. Fomos até ao centro da povoação que ficava logo ali a poucos metros. Já ali estavam uma série de coisas montadas e os restaurantes já estavam cheios de triumphistas. Demos por ali uma volta, mas tirando meia-dúzia de Triumphs estacionadas não havia muito mais para ver. As opções para jantar também não eram muitas. Aproximámo-nos de um restaurante com uma esplanada que parecia agradável e tranquila… E… Olha, era uma pizzaria… que surpresa… À falta de melhor tivemos de comer mais umas! Que por acaso não achei nada más, talvez mesmo as melhorzitas de todas que emborcámos até agora… Estava bem agradável esta esplanada.

Terminado o jantar fomos esticar as pernas andando ali às voltas pelo local. Mas já estava noite cerrada e já pouco se via fora da rua principal. Regressámos ao nosso chalé para um merecido descanso. Amanhã outro dia forte, a travessia do Stélvio.

29. Áustria Altamente

Depois da rotina habitual da manhã lá estávamos nós na sala de refeições do hotel para tomar o pequeno-almoço. A sala estava à pinha de chineses e quase que não arranjávamos lugar para nos sentar. Espreitando lá para fora via-se um bonito dia. Despachámos o pequeno-almoço e carregámos tudo em cima das motas prontos para seguir caminho.

Prontos para seguir - Obertraun, Áustria

Ainda antes de partir para a estrada fomos tirar mais umas fotos bem catitas à beira do lago… Uma delas na pose de aves raras que já estávamos a assumir como imagem de marca.

3 tigres e 3 passarões (Rui, Miguel e Daniel) - Obertraun, Áustria

Próxima paragem Hallstatt, logo ali a 2 quilómetros. Uma visita de médico só para bater umas chapas, ainda temos de dar a volta ao lago de Zell Am See antes de atacar a alta montanha.

Estacionadas - Hallstatt, Áustria

Este bocadinho de postal à borda de água é fabuloso. Deve ser um mimo viver por aqui alguns meses, enfiado na montanha junto a este espelho de água espetacular!


A encantador vila - Hallstat, Áustria

Muito turista a circular por aqui e um tempo fantástico, fresco mas com um Sol esplendoroso. Ainda antes de arrancar fui comprar uns ímanes (caríssimos por sinal) a uma barraquinha que ali estava.

Obertraun lá ao fundo - Hallstatt, Áustria

Estava um sacana de um dia bom para rolar de fuças ao vento… Fomos seguindo para Zell Am See passando por um cenário com vastas extensões de campos verdes com montanhas altas de fundo… E de facto se há uma cor que caracteriza bem a Áustria é o verde. Muito verde tem esta terra… Algo que se nota muito é o cheiro a erva cortada, pudera há aqui tanta!

O Barradas queria mandar um postal para casa. Na primeira estação de correios que apareceu parámos. O Miguel aproveitou também para transferir parte dos cartões da câmara para o PC.

Depois começámos a subir pela margem Este do lago sem efectivamente o conseguir avistar. Embora se vá próximo, há demasiadas árvores e habitações para se vislumbrar alguma coisa. Só já na ponta Norte e ao nível da água é que pudemos ver o lago. Eram horas de almoço e aproveitámos logo para parar no primeiro tasco que nos apareceu… Óh surpresa… uma pizzaria!... Tão fartinhos que estávamos destas coisas… Mas a fome é maior, e ficamos melhor se as comermos. Era um pequeno snack-bar com esplanada mesmo à beira da água. Creio que havia ali um parque de campismo e deveria servir de apoio a este. Um casal de velhotes tomava conta da chafarica e um fulano mais novo fazia o serviço de mesa. Este último era uma simpatia e desenrascava-se melhor que nós em inglês. Era um tipo viajado e disse-nos que conhecia Portugal... Perguntou-nos se estávamos a gostar disto – obviamente que sim camarada, vistas tão verdes assim não há em todo lado! Explicou-nos que aqui chovia a cada dois dias, daí a verdura. Olha, mais um caso que contraria a tese dos trombudos austríacos!

Almoçámos na esplanada debaixo de um guarda-sol, mas logo ali ao lado estava uma barulheira tremenda com maquinaria pesada a arranjar o pavimento. A propósito, coisa curiosa de ver por aqui: pessoal das obras é branquinho e lourinho, não me parecendo que fossem originários dos países de Leste. O que me leva a pensar que serão austríacos e que devem receber um salário digno e justo ao contrário, por exemplo, de Portugal onde se explora indecentemente este mercado de trabalho…

Outro vilarejo à beira lago - Zell Am See, Áustria

Comemos as nossas pizzas, pagámos e agradecemos a simpatia do rapaz. Ainda antes de regressar à estrada fomos à beira da água tirar umas fotos.



E estávamos prontos para o momento alto do dia, a mítica estrada alpina do Grossglockner!

Não há mototurista que se preze que não tenha ouvido falar dela: são 40 quilómetros de estrada sinuosa em alta montanha à altitude máxima de 2400 metros. O acesso é pago, bem pago por sinal, mas vale cada cêntimo! Chegámos à portagem do lado Norte e fizemos o pagamento. Os 30 euros que se pagam dão direito a um bilhete, um panfleto e um autocolante. O acesso é válido durante todo o dia. Dado que iríamos pernoitar a Norte do Grossglockner no final poderíamos optar por fazer o regresso pela mesma estrada ou ladear a montanha mais a Oeste pela estrada do Felbertauern. Esta última ainda que não tão popular e menos torcida também tem fama de ser bem bonita e sempre nos permitia ver mais qualquer coisa. Bem, mas voltando ao Grossó-coiso… Parámos logo a seguir à portagem para guardar os papéis e aí o Rui apercebeu-se que não lhe tinham dado o autocolante da ordem: o homem ficou em pânico e foi a correr até à cabine!… O austríaco para emendar o erro deu-lhe uma mão-cheia deles!

O sticker já no lugar - Grossglockner, Áustria

Posto isto, vamos lá então ver essa estrada… Com as expectativas em alta iniciámos a subida que começa aos esses em curvas bem redondas. Muita neve pelo cenário, especialmente estando a 2000 metros de altitude onde com o frio a neve permanece quase todo o ano. Estrada muito divertida e paisagem do cacete! Fomos em ritmo tranquilo, sem excessos, o suficiente para apreciar a condução e o cenário. Mais adiante o traçado vai alternando entre algumas rectas e curvas. Fizemos uma paragem num dos vários parques de estacionamento que se vai apanhando no caminho. A esta altitude andávamos mais próximos das nuvens e parecia que o tempo estava um pouco fechado, felizmente até ver sem chuva.



Que estrada - Grossglockner, Áustria

Uma das coisas que se lê por aí é que o alcatrão aqui é especial de corrida para criar mais atrito para as rodas dos motociclistas... Pois eu não achei nada disso. Não me pareceu que fosse diferente do que está no Cabo da Roca ou noutro sítio qualquer e nalguns troços até está bem pior, com vários remendos, deformações e buracos. Aliás a ideia que aqui as estradas são melhores que no resto do mundo é um mito: são tão más ou piores que no resto do planeta, pois os Invernos rigorosos que há por aqui fazem estragos.

Montanhas austríacas - Grossglockner, Áustria

Parámos de novo mais adiante, no meio da neve e aproveitou-se para tirar mais umas fotos memoráveis!

Em total equilíbrio (Rui, Miguel e Daniel) - Grossglockner, Áustria

De um lado ao outro - Grossglockner, Áustria

As Tigras nos Alpes - Grossglockner, Áustria

Mais um bocado de estrada pelo topo da montanha e outra paragem junto a uma cascata… Caneco, que isto é mesmo giro! Aqui encontrámos um casal australiano de Tiger Explorer (a irmã maior das nossas). O tipo tinha trazido as malas de casa e alugado a mota na Europa... E olha, mais um sítio giro para uma foto.

Mais um número de equilibrismo (Rui, Daniel e Miguel) - Grossglockner, Áustria